Eu também pensava que nunca ia envelhecer
A vida tem formas muito originais de nos encaminhar para a velhice. Uma delas é a visão de mundo. Quando a gente é jovem, pensa que irá sempre ter uma visão fresca sobre a realidade. Mais do que fresca, pensa que nossa visão será sempre a visão corrente e, se necessário, seremos até capazes de nos adaptar com facilidade. Mas não funciona bem assim. Nick Cave ao se questionar sobre sua própria visão de mundo (da geração “boomer”), disse em seu blog:
… sempre senti um horror de ser encaixotado por uma identidade e uma opinião inflexível, pois essa lealdade a uma única pessoa pode ser a própria morte da criatividade.
Hoje em dia, fala-se em multi-identidades, mas se fala ainda mais do pertencimento a grupos. De tal forma que a pessoa passa a “ser” o seu grupo e também passa a ser cobrada a agir como tal. Então, espera-se algo específico do homem branco cis, da mulher negra, da pessoa trans, da produção artística de atores e escritores de acordo com seus grupos sociais, etc. Até dubladores estão abdicando de interpretar personagens de desenho animado que não sejam de suas raças ou origens. Então, Nick acaba ficando por fora em meio a tantos jovens dispostos a serem catalogados por identidades.
Tem outro exemplo atual que também soa estranho para mim. Há um projeto de emenda em lei na Califórnia que não bater bem aqui no coração, mas que talvez seja apenas reflexo do tempo e suas mudanças. A proposição 209 (Iniciativa pelos Direitos Civis da Califórnia, aprovada em 1996) pressupõe a seguinte proibição:
“proibir as instituições governamentais estaduais de considerar raça, sexo ou etnia, especificamente nas áreas de emprego público, contratação pública e educação pública.”
Esse texto está em processo de exclusão pela chamada ACA-5 (emenda constitucional nº 5). O pessoal deseja colaborar para ações afirmativas que incluam grupos minoritários em órgãos públicos. Para quem foi educado em meio a um discurso de não discriminação, soa estranho a supressão de um texto como esse da lei. Mas isso não quer dizer necessariamente que essa juventude está perdida ou eles não sabem o que fazem. É só que quem viveu mais e passou por outros tipos de problemas não está acostumado a esse tipo de posicionamento. E é nessas sutilezas que a gente vai se percebendo pertencentes a uma época que vai passar.
Acho que, no fim das contas, tentar manter a cabeça aberta é o mínimo que podemos fazer. Assim, podemos ao menos nos portar como Nick Cave, que, apesar de não conseguir pensar como alguém mais jovem, pelo menos reconhece as próprias limitações sem precisar julgá-los. Eu fico tentando imaginar quais serão os próximos eventos, conceitos e sentimentos que me farão me sentir mais velhinho. Mas já aprendi que a vida é criativa demais para ser prevista. O negócio é esperar pelas próximas surpresas e usar a experiência para conviver com aquilo que é menos nosso e mais dos jovens. Erros por erros, vamos sempre cometê-los, cada um a seu estilo.
Esse retrato de Heidi Brueckner veio bem a calhar para ilustrar o texto. Sobre os retratos que pinta, como esse acima, ela comenta:
… pinto retratos, onde características formais semelhantes são usadas para evocar narrativas mais íntimas e explorar a humanidade sob uma luz mais individualista. Para mim, eles servem como uma contrapartida interessante das alegorias, apenas para entender que qualidades e emoções ultrajantes se relacionam com todos nós.
A visão de Heidi sobre seu próprio trabalho está aqui e recomendo dar uma olhada.