Storytelling e fake news
Se você procurar o conceito de storytelling na internet, vai ver que há registros de sua história milenar. Criar e contar histórias é uma das formas mais essenciais de nos comunicarmos e entendermos a realidade. Entretanto, toda história é um recorte da realidade. Uma redução conveniente para a transmissão de uma mensagem. E, quanto mais precisa a história, mais precisa é a mensagem.
Provavelmente, desde os tempos de nossos colegas das cavernas, o pessoal percebeu o poder das histórias não só para a transmissão de informações, mas também para o convencimento de outras pessoas. Saltamos anos à frente e a equipe de publicidade das cavernas passou a utilizar a estratégia, agora com um nome bacana. Até aí, tudo bem, porque é isso que se espera da galera da publicidade das cavernas.
O problema é que a galera do jornalismo das cavernas adquiriu o mesmo costume. Por meio do storytelling, percebeu que o engajamento é mais efetivo, sensibiliza e prende mais atenção. Adotaram a estratégia a tal ponto que muitas vezes é difícil diferenciar uma sequência de fatos de uma história bem contada. Ou será que uma sequência de fatos sempre foi uma história bem contada?
De qualquer forma, a confusão está formada. Se é por meio de histórias cativantes que se prende atenção, senta, que lá vem a história. Mas uma história não necessariamente pressupõe a exposição dos dois lados de um fato. Também não pressupõe a necessidade de conter todos os fatos. Ou mesmo de ouvir as versões de todos os envolvidos.
E, se a história envolver a jornada do herói, será preciso identificar os desafios (normalmente, pessoas malvadas) que o herói (virtuoso por natureza) irá enfrentar. Muitas vezes, as histórias reverberam e transcendem uma única peça jornalista. Acabam formando um coro que colabora para sua veracidade. Mas isso quer dizer que a história é verdade?
Tem se falado bastante de fake news ultimamente. É um problema real e sério. Mas parece que mais se tem falado do que se tem feito (não seria a primeira vez que algo assim acontece).
Quando se fala de notícias falsas, busca-se normalmente a intenção. Quem e por que? Mas fala-se pouco das dinâmicas que podem gerar tais notícias, talvez sem nem o autor perceber. A realidade das mídias sociais caiu como uma marreta na qualidade do noticiário. Os caça-cliques se multiplicam desesperadamente na busca por atenção e sobrevida aos jornais pelo mundo. E o storytelling ganha força nessa busca.
Muitos veículos e jornalistas se surpreendem quando têm conteúdo classificado por fake news. Pode ser que, em muitos casos, seja exagero da análise de um (provável) militante apaixonado. Mas eu sugeriria que o veículo e o jornalista avaliassem também se o método utilizado pra construção e divulgação de notícias está definido e sendo seguido corretamente. Lembrando que o método se inicia na busca pela pauta. E, se a sua pauta tem sempre apenas um lado, o trabalho de jornalismo sequer começou.
Uma notícia, idealmente, é uma peça de informação ponderada e apolítica. Algo que o leitor possa utilizar para se orientar no mundo e construir sua própria visão. Pode até ser que exista um movimento para conceder caráter político a notícias. Mas é importante manter o jornalismo inacessível a questões mundanas como essa. Senão, é melhor chamá-lo logo de publicidade das cavernas e seguir o jogo. Jornalismo não é instrumento de convencimento, é instrumento de informação. E, ainda que a verdade seja algo difícil (praticamente, impossível) de alcançar, a busca pela verdade é uma prática não só louvável como a essência do jornalismo. Tomar o jornalismo como um ato político é deixar a busca da verdade de lado em detrimento da distribuição das próprias verdades.
Aos jornalistas e leitores, recomendo cuidado com o storytelling. É grande a chance de você não estar escrevendo ou lendo a história toda. Então, busque sempre outras fontes. Considerando o mundo em que vivemos, busque a fonte contra e a favor — a gente sabe que é assim que funciona.