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Welcome, take a seat.

Selfie-se quem puder

Indigenous Roots Reclaimed,  Ernesto Yerena (2020)

Indigenous Roots Reclaimed, Ernesto Yerena (2020)

Eu curto selfies alheias. Não necessariamente de forma literal (clicando no coração ou no joinha). Normalmente, as pessoas gostam de suas próprias selfies. Ou de seus amigos e familiares queridos. Por outro lado, estão acostumadas a denunciar a vaidade de pessoas estranhas praticantes do ato. Não é o primeiro caso de julgamento em que "quando os outros fazem, é ruim e, quando eu faço, é bom". Mas a vida tem dessas coisas.

Eu não costumo tirar muitas fotos minhas, mas o faço eventualmente. Curto selfies fraternas e familiares também. Mas, acima de tudo, eu sou simpático ao conceito da selfie, seja lá quem a faça.

O ato de tirar uma selfie pode ser compreendido como o suprassumo do hedonismo e vaidade. E faz algum sentido nos sentirmos desconfortáveis com a vaidade. Primeiro, porque aprendemos que é ruim ser excessivamente vaidoso (assim como é ruim ser excessivamente qualquer coisa). Segundo, porque a vaidade é um tipo de símbolo de egocentrismo. Dessa forma, seres morais que somos, não temos dificuldade de julgar pessoas que aparentam ser egocêntricas.

Não desejo argumentar contra isso. Realmente, há muito de excesso por aí. Entretanto, tirar a própria foto é mais do que isso. Inclusive, a selfie não inventou a vaidade. Acredito que a selfie é uma busca por si. É uma forma de obter uma chancela social, mas também é uma forma de lidar consigo mesmo.

Repetidamente, eu afirmo que viver não é fácil. No meio das nossas jornadas, a gente vai encontrando formas de seguir em frente. Às vezes, a gente faz uma coisa que possa ser considerada ridícula aqui ou acolá. Se ninguém se machucou no fim, não há nada de errado nisso. Olhando por esse lado, eu percebi que selfies de outras pessoas (desconhecidas) não me agridem.

A selfie é um atestado de fragilidade. E a fragilidade é uma das coisas que temos de mais belas. É uma característica humana valiosa sem a qual a vida perderia bastante da graça.

Fragilidade é o que nos faz corar quando ficamos com vergonha, ter ataques de risos, chorar em filmes, entre tantas outras coisas, inclusive tirar selfies para se curtir. É a ausência de controle, a fortaleza desarmada, um tipo de autenticidade.

Quando vejo uma selfie na minha timeline, é disso tudo que eu lembro, não da falência do mundo. E não tenho como evitar: acho divertido.

Olhar o ato pelo lado negativo é fácil demais. É óbvio. Para isso, existem cientistas sociais e filósofos treinados, acostumados a enxergar o mundo não como é, mas como eles acham que deveria ser. Um mundo que está sempre piorando, por não ser como eles querem. E acabam influenciando jornalistas, que influenciam pessoas, que se sentem mal. É normal.

Se você puder, enxergue a próxima selfie que aparecer na sua frente de um jeito diferente, de forma compreensiva, pelo seu lado humano. Pode fazer uma diferença pequena, mas você, provavelmente, vai trocar um senso de frustração apocalíptico por um sorriso no rosto.


Eu escrevi a coluna “Calma, gente” no Huffpost Brasil anos atrás. Esse texto foi publicado em 23/08/2016.