Nutrição digital: em busca da salvação pelo conteúdo e pela química
A mistura é boa: conteúdo digital, estudos científicos e química. Tudo isso em busca de uma melhor saúde mental. É o que propõe a AeBeZe Labs, que até registrou a marca da expressão Digital Nutrition™, mostrando que não chegou para brincar. Com a palavra, a empresa:
A AeBeZe é dedicada a programas, ferramentas e recursos pioneiros, projetados para melhorar a saúde comportamental e aumentar a resiliência emocional. É nossa missão estabelecer um novo padrão básico de Digital Nutrition™, usando um portfólio de ferramentas que incluem conteúdo hiperespecífico e rotulagem universal, respaldadas por pesquisas clínicas.
Estamos comprometidos com o avanço da tecnologia humana, melhorando a literacia e a higiene digital e ajudando as pessoas a adotar hábitos mais saudáveis. Estes são os fundamentos de uma melhor nutrição digital. Nossa missão é simples: estamos empenhados em melhorar o seu humor.
Os integrantes da AeBeZe confiam na ciência para selecionar conteúdos que liberam substâncias químicas no cérebro humano, como acetilcolina (para foco), dopamina (para prazer, recompensa e autoconfiança), endorfinas (para energia), GABA (para sensações de calma e serenidade) e serotonina (para estabelecer um limiar básico para a felicidade). Eles entregam esses conteúdos de algumas formas. Por exemplo, pelo site Moodrise 1000 Awards, no qual selecionam conteúdos nas plataformas Prime Video, Vimeo, Youtube, Netflix e Hulu de acordo com o sentimento desejado, que inclui motivação, além dos já citados.
Há também newsletter, aplicativo para celular, smart watch, aparelhos sonoros, como Alexa (o chamado Pillcast™, produzido com vozes de celebridades), bate-papo (SMS simples) e mídias sociais (Facebook, Instagram e Twitter). Uma outra linha de negócios é treinamento para astronautas (o CEO até cita Interestelar e Ad Astra na entrevista de link abaixo), pilotos de avião e pessoas em geral. Por último, mas não menos importante, talvez o pulo do gato da AeBeZe Labs seja se propor atuar como certificadora de conteúdo. Eles definem Digital Nutrition™ (DN) como “qualquer canal, serviço, regime de treinamento ou tipo de conteúdo deliberado, positivo e produtivo, projetado para tratar ou aliviar sentimentos ou estados de humor indesejáveis”. E estão dispostos a avaliar conteúdos e certificá-los como DN.
Cada vez mais surgem ideias para reequilibrar nossas cabeças em meio às tensões e estresse gerados pelo mundo moderno. Eu sempre desconfio da tentativa de mecanização de nossa relação com sentimentos, não especialmente por achar que não vá dar certo, mas por enxergar com estranheza a terceirização da responsabilidade sobre a atuação em relação a nós mesmos. É curioso, porque, de alguma forma, nós acessamos sentimentos com base em estímulos externos há tempos, seja vendo peças de teatro, novelas, filmes, séries, obras de arte. Nós já consumimos conteúdos direcionados a acionar nossos gatilhos emocionais. Entretanto, quando a proposta é tão direta, soa-me como um atestado de terceirização. E, quando a gente terceiriza, acaba perdendo parte da propriedade sobre o objeto. Isso pode ter consequências ruins, especialmente se algo der errado. Será que a AeBeZe se responsabilizaria pelo efeito negativo de uma série de dicas mal dadas a um usuário? Seria possível medir isso? Se ela faz bem ao ser aplicada corretamente, faria mal se houvesse falhas? Em que nível seria esse mal? Outra questão interessante seria por que não acessar sentimentos ruins? É isso que nós fazemos quando assistimos a dramas ou tragédias: aprender a sentir o negativo é também parte da educação emocional. E, na verdade, a AeBeZe não está partindo do princípio de uma educação emocional, mas sim do acesso direcionado a conteúdos que tenham impacto em nossas emoções.
É claro que a empresa faz o que achar melhor e tentativas de melhorar o mundo são sempre louváveis, mas não sei se o caminho é bem por aí. Enfim, resta torcer para que a ideia cause mais bem do que mal e que, independentemente de novos produtos, a gente aprenda a lidar com os próprios sentimentos, sempre com a maior autonomia e autoconhecimento possíveis.
Para quem quiser conhecer mais sobre a iniciativa, aqui tem uma entrevista do CEO e fundador da empresa ao pessoal da Wunderman Thompson.
A arte que ilustra esse post tem tudo a ver com o pessoal da AeBeZe Labs. O responsável é o artista Edie Nadelhaft, que tem uma série de peças artísticas chamada Vivendo Melhor pela Química, em que apresenta expressões pop como LMAO (Laughing My Ass Off - gargalhando), emojis e palavras comuns como remédios embalados em cápsulas.