Argonauta dos podcasts ocidentais
Um dos maiores benefícios da internet é poder ter acesso facilitado a informações, muitas das quais você nunca acessaria, porque não têm nada a ver com você. Com a mente aberta e a cabeça no lugar, ter contato com conteúdos distintos é muito valioso.
Meu início no ensino superior foi pelo mundo das ciências sociais. A meta era me tornar um sociólogo, mas o mundo da publicidade entrou no caminho e meus rumos mudaram. Eu sinto que meu interesse pelo estudo científico de seres humanos, comportamento humano e sociedades tem a ver com a curiosidade de saber como a gente conseguiu estruturar essa loucura coletiva e consegue mantê-la de pé. E essa curiosidade ainda existe, apesar das mudanças profissionais. Uma das minhas principais vias de acesso a assuntos diversos são podcasts. Ao ouvir falar em um novo, abro meu aplicativo e baixo ao menos um episódio. Os que tratam de assuntos de que gosto me chamam mais atenção, como era de se esperar. Mas eu tenho me sentido atraído ultimamente por assuntos que não têm nada a ver comigo ou de que eu discordo.
Essa semana, conheci o Podcastão, o autointitulado “Podcast da Sapatão”, que trata de assuntos do mundo lésbico e sexualmente diverso. Ouvi o episódio #36, sobre o preconceito com bissexuais em meio ao universo gay. Não tinha ideia. Também achei curioso a apresentadora e a convidada conseguirem falar durante 1h sobre o tema. Mas é claro que isso tem a ver com a minha distância do assunto. Somos capazes de falar por horas sobre o que nos incomoda. Entre expressões curiosas e posicionamentos bastantes liberais, o que se destacou para mim na conversa foi a percepção da discriminação entre pessoas que, historicamente, foram objeto de discriminação. Essa situação é uma excelente forma de acessar o preconceito e atitudes de julgamento como algo que faz parte de nós, por mais desconfortável que seja admitir. Nós rechaçamos o que não entendemos e, quanto mais incomodados, mais agressivamente nós reagimos. Isso não é exclusividade de qualquer grupo social.
Por outro lado, o desequilíbrio entre grupos sociais resulta em eventuais justificativas de que um grupo que se considera por baixo pode (ou mesmo deve) estigmatizar o grupo que ele considera estar por cima. A lógica do embate entre poderes — que tanto explica quanto fomenta essa dinâmica — normalmente está por trás desse tipo de visão. A narrativa do oprimido x opressor faz muito sucesso entre grupos minoritários. “Poder” é uma palavra basilar e é difícil ela não ser mencionada uma discussão sobre o tema. É o que acontece em outro programa que me chamou atenção: o The View from Somewhere, do jornalista trans Lewis Raven Wallace, que questiona a objetividade do jornalismo.
Segundo Wallace, o jornalismo deve ser uma ferramenta de mudança social, desbancando os poderosos e abalando o status quo. Ele cita, nos episódios iniciais, o seu processo de percepção sobre essa falha do jornalismo contemporâneo. A falta de posicionamento, segundo ele, é uma forma de manter o poder onde ele está. Mas, neste caso, eu devo discordar. Muito se confunde o jornalismo como a divulgação da verdade. É como se os fatos fossem a verdade irrefutável. Entretanto, o jornalismo não é a verdade, e sim a busca por ela. É um processo e não uma entrega. Desta forma, a notícia é um produto sempre imperfeito, pois sempre se poderia ter ouvido mais alguém ou se abordado o assunto por uma perspectiva distinta. Mas a notícia tem que se sair. Wallace cita que o gatilho que o fez perceber que existia algo de errado no jornalismo: ele não se interessou pelo assassinato de um homem negro pela polícia em 2014. Tinha um cotidiano agitado e deixou passar. Mas isso não é necessariamente um problema de objetividade. Talvez seja de falta de tino jornalístico ou mesmo um problema por demanda mais veloz por notícias, que deixa o jornalista perdidinho, correndo pra todos os lados na esperança de manter sua publicação relevante e viva.
De qualquer forma, concordando ou discordando, o contato com o que me é estranho pelo mundo dos podcasts me alimenta de diversidade, novidades e compreensão. Este último, bastante em falta no mercado. Considerando que muito da vida é passar o tempo, o investimento tem rendido.