Se o mesmo amor não pode ser, que seja eu mais amoroso que você
Li um poema de W. H. Auden que me tocou profundamente. Um trecho dele, o mais impactante (ao fim da segunda estrofe), colou na minha cabeça imediatamente depois que eu o li num pop-up do Brainpickings, desses que o pessoal coloca no site pra tentar evitar que a gente saia da página. O link não levou para este poema, e sim para outro. Não quis ler o outro e fui atrás deste.
Foi curioso lê-lo numa época em que sinto que está todo mundo pedindo por mais dos outros: atenção, proteção, respeito, justiça, amor. Talvez não seja algo atual pedir por mais dos outros. Talvez tenha sido sempre assim e só tenhamos mais meios para nos fazer ouvir. O fato é que as demandas parecem crescer. E parece que nenhum de nós está livre das demandas. Elas chegam em nome da raça, do gênero, da classe social, da nação, da idade, elas chegam em bandos ávidos por tudo aquilo que acreditam não ter e merecer. Os gritos vêm carregados por acusações e pedidos por mais atenção. E pedem que gritemos por eles, do jeito deles, em nome deles.
E isso tudo ocorre como se a mudança fosse acelerada pelo grito. Mas a mudança — é difícil aceitar — ocorre em seu tempo e pela ação.
Atos de mudança para melhor serão sempre atos de amor. A mudança ocorre pelo cuidado. E cuidado você pode até pedir, mas cuidado mesmo é o que a gente tem e aprende a cultivar. A mudança ocorre aos poucos, todo dia. A mudança é uma criança aprendendo a falar, ouvindo repetições e repetindo. Aprendendo a andar, caindo e levantando por dias, meses. Não é o grito de “chega” que muda. Este é o desabafo, tão necessário quanto inevitável. Mas o que muda é o amor diário. Não é a vontade de mudar que muda, é a ação, temo me repetir. Não é o pedido pela mudança dos outros que muda, é você.
E a mudança real pede coragem de quem deseja mudar. Coragem para mudar a si mesmo antes de mudar o mundo. Na verdade, a mudança do mundo é consequência da própria mudança individual.
Então, eu penso que podemos entrar numa série de acordos. Se o que fazem é nos pedir, que nós sejamos mais amorosos para agir e mudar independentemente do pedido. Quando só a revolta lembra da importância de mudar, que nós sejamos mais amorosos para agir diariamente pelas mudanças que desejamos acontecer, independentemente da revolta. Se acusam o mundo de não ser como esperam, que nós sejamos mais amorosos para entendê-los e desejar que um dia percebam que a verdadeira luta é conseguir ser o mais amoroso entre nós.
O mais amoroso
W. H. Auden
Olhando para as estrelas, eu sei muito bem
Que, por todos os cuidados, eu posso ir para o inferno,
Mas na terra a indiferença é o mínimo
que temos que temer do homem ou da fera.Como gostaríamos que fossem estrelas queimando
Com uma paixão por nós, que não poderíamos devolver?
Se o mesmo amor não pode ser,
Que seja eu mais amoroso que você.Admirador como penso que sou
De estrelas que não se importam,
Não posso, agora as vejo, dizer
Que perdi uma terrivelmente o dia todo.Se todas as estrelas desaparecessem ou morressem,
Eu deveria aprender a olhar para um céu vazio
E sentir todo o seu sublime escuro,
Embora isso possa tomar um pouco do meu tempo.
Eu traduzi o poema em parceria com o Google Translate. E fiquei até orgulhoso em conseguir fazer os versos 2 e 4 da segunda estrofe rimarem, como no original. Poema original em inglês.