À sombra do que e como dizer
Há um trecho de Palmeiras Selvagens, do William Faulkner, que me chamou muito a atenção quando li, anos atrás. Tanto que ele volta a minha lembrança de tempos em tempos. Antes de apresentá-lo, é preciso uma contextualização. O livro tem duas histórias paralelas. Em uma delas (O Velho), um presidiário negro encontra-se liberto por uma casualidade em meio a um transporte de presos e passa a história toda tentando retornar à prisão. Em outra história (esta de título Palmeiras Selvagens), uma mulher abandona o marido para fugir com seu amante. Em meio à tentativa de nova vida, ela tem um problema de saúde e, apesar do amante ser um estudante de medicina, ele não se sente confortável de tratá-la e acaba chamando um médico.
Toda a situação é muito desconfortável: as mentiras ou omissões do amante para o médico na tentativa de preservar sua intimidade (e eventual honra), a desconfiança do médico, o sofrimento físico da mulher. Então, em um momento em que amante e médico estão para acessar a casa na qual a mulher está resguardada, ambos param, como se dessem espaço para o marido de direito — na verdade sua sombra — entrar primeiro:
“… so that it seemed to the doctor, in a steady silent glare of what he was never to know was actual clairvoyance, that they had both paused as if to allow the shade, the shadow, of the absent outraged rightful husband to precede them. It was a sound from within the room itself which moved them – the sound of a bottle against a glass.”
Fico pensando em quais são os motivos que me fazem retornar a esse trecho. Certamente, seu aspecto moral é muito representativo pra mim e talvez esse seja o ponto central: a consciência a priori da realidade, o saber que se está errado, mesmo racionalizando-se (ou querendo-se) não estar. Se há algo a dizer literariamente, isso faz parte da lista.
Publiquei esse texto no Medium em 24/03/2018.