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Welcome, take a seat.

Sobre nosso amado 'falso moralismo'

Faces I/II Artist Proof (2 Prints), 2019, HUSH.

Faces I/II Artist Proof (2 Prints), 2019, HUSH.

Já faz alguns meses que escrevo o "Calma, gente" e, muitas vezes, tenho dificuldades de me limitar a ponderar, refletir e fazer sugestões sobre temas relativos a qualidade de vida, inteligência emocional e assuntos relacionados. Apesar de serem esses os motivos que me fazem escrever a coluna, nem sempre eu consigo me manter na linha. Eventualmente, eu sou agressivo, reclamão, impaciente e intolerante - traços de humanidade que carregarei sempre comigo. Tive a sorte de conseguir pensar e executar uma forma de me lembrar constantemente da importância da ponderação e acabei criando a coluna. Mas, ironicamente, esse mecanismo de lembrança é, às vezes, comprometido pelos meus próprios defeitos.

Seria contraditório se não fosse compreensível comigo mesmo, de forma semelhante como tento ser compreensível com todos os outros. Então, sabendo dos meus defeitos, sigo tentando superá-los com a calma que tanto busco.

Entretanto, percebo que minha postura eventualmente reclamona e agressiva não só é recorrente também em muita gente, como costuma chamar mais atenção do que a postura moderada na qual idealmente se baseia o "Calma, gente". Meus posts mais polêmicos são os mais bem sucedidos em termos de audiência. São, normalmente, textos nos quais eu me oponho a algo, criticando uma postura ou identificando um "inimigo". Se você tem costume de utilizar mídias sociais, talvez já tenha percebido isso em diversos outros casos. É provável que os posts nos quais você mais clique e mais compartilhe sejam aqueles que denunciam algo, em que uma revolta é manifestada, em que uma injustiça é registrada, etc.

A questão é tão curiosa que mensagens com esse cunho soam mais verdadeiras ou valiosas do que outras. É como se o mundo real fosse desvelado no sofrimento de um grupo específico, em horríveis atos de violência, no embate entre classes sociais ou em ações deliberadas de maldade. O desabafo tem mesmo esse caráter de autenticidade, ainda que não seja necessariamente a melhor forma de se expressar e nem trate da verdade em si.

O desabafo é uma reação intempestiva a dificuldades e limitações. Não costuma resolver muita coisa, senão nos ajudar a extravasar uma frustração. Faz parte. Quem nunca?

É comum vários canais de YouTube, contas de mídias sociais e sites de notícia autointitulados independentes ficarem famosos liderados por pessoas que estão cheias disso ou daquilo. Desabafar - além de ajudar a aliviar a pressão - é uma ferramenta retórica bastante efetiva e chamativa.

Tenho me perguntado com frequência sobre porque somos assim. Por que nos sentimos tão atraídos pelo desabafo, pela agressividade, pela reclamação e intolerância? Tomando-me como exemplo, posso dizer que não é fácil manter o controle. Acontecem muitas coisas inesperadas em nossas vidas e somos pegos desprevenidos. Sem saber como reagir, esperneamos. Ao vermos alguém fazendo o mesmo, prestamos atenção, talvez por empatia. O problema é que, em meio à reação comumente desproporcional, o mérito da questão - por exemplo, um problema difícil de resolver - se perde, podendo até ser deixado de lado em nome de uma falsa sensação de segurança. Fechamo-nos ao mundo e esperamos que o mundo se adapte a nós. Acabamos por afastar as pessoas com quem não concordamos.

Não é legal. Agindo assim, viramos moralistas, impondo aos outros nossos costumes e regras. Entendo essa postura dentro de uma família, na qual os pais compartilham valores e costumes com seus filhos, por exemplo. Acho isso importante, ainda que costume render muitos problemas familiares. Mas o moralismo em um sentido mais amplo - esse de dizer ao outro, que você nem conhece, o que ele deve fazer ou deixar de fazer - é nefasto. E tem tomado formas distintas, de um jeito curioso.

Antes o moralismo era um ato essencialmente conservador. Agora virou também uma ferramenta de mudança social. Grupos organizados julgam a forma como a sociedade se estruturou e a condenam por ser imperfeita. Desejam que ela se molde a suas necessidades e anseios. Acabamos rodeados de moralistas em nome da mudança e do conservadorismo.

É possível questionar com naturalidade relacionamentos homossexuais ou heterossexuais, discriminar seja lá qual raça for ou difamar posições políticas. Mas, por sermos imperfeitos, seremos sempre falsos moralistas, julgando o mundo como se não fôssemos passíveis de errar e como se não fôssemos nós mesmos responsáveis por sua imperfeição.

A insegurança, seja decorrente da experiência de vida ou da personalidade, orienta-nos de alguma forma a buscar o conforto, que se revela no desejo de que o mundo concorde sempre conosco, seja normatizado de acordo com nossas posições políticas, curve-se aos nossos caprichos.

É uma luta muitas vezes inglória superar o falso moralismo ao qual estamos tão acostumados. Ainda mais com tantas vias de comunicação abertas pela internet, que se tornam válvulas de escape instantâneas. Acabamos por carregar o moralismo conosco, revelando-o nos momentos complicados ou mesmo em meio ao stress a que a vida nos submete. Estou certo de que terei diversas atitudes moralistas ao longo da vida, mas essa é uma ação que tentarei suprimir ativamente à medida que o tempo passar. Não vejo outro caminho.

Às vezes, ouço pessoas dizerem que é preciso acabar com a injustiça, a vaidade, a discriminação, as diferenças, etc. Mas nada disso acaba. Tudo isso faz parte de nós. O que podemos fazer é lidar com nossos defeitos, de alguma forma mantê-los sob controle e diminuir seus impactos negativos.

Há falsos moralistas de ocasião e os profissionais. Quanto aos últimos, não há muito o que fazer. Mas os de ocasião - grupo no qual me incluo - são capazes de rever muitas de suas posições e, talvez, ser menos alarmistas, incisivos e agressivos.

Duvide sempre que alguém lhe disser que o mundo está piorando, que o grupo X é malvado, que os valores sociais são intencionalmente pervertidos, que o "grupo dominante" bolou um plano para seguir dominando. Se você cair nessa, irá se tornar um falso moralista de ocasião e vai passar a julgar eventos sem critério. A sensação de superioridade é tentadora. É fácil se apaixonar por esse sentimento. Mas ele é destrutivo e não cria nada, senão distância, ignorância, histeria e isolamento.

Mantenha sua moral (costumes e cultura) de forma positiva. E, se desejar compartilhá-la, faça-o pela sugestão, pela conversa. Ousando poetizar de uma forma meio piegas, a condenação do outro é um tipo de autocondenação.


Publiquei esse texto no HuffPost Brasil, na coluna “Calma, Gente’, em 10/10/2016.