Que dor nutrir e porque dividi-la por dois
Eu passei uma semana fora de casa, viajando a trabalho. É bom variar a rotina, passar um tempo com Rodolfo e Isabel em São Paulo, andar pela cidade, resgatar o tempo em que morei por lá. Além, é claro, de trabalhar para fazer a empresa evoluir, entrar em contato com novos assuntos, novas pessoas, novos desafios e paisagens. Mas dá uma saudade danada de casa. Especialmente, da Clarissa.
Esse sentimento de saudade da esposa é incomum de se ouvir verbalizado por homens. Especialmente, naqueles momentos em que eles estão compartilhando a estética masculina do desapego, da irresponsabilidade, da sacanagem. Se for pra falar de mulher, que seja daquela ali que está passando ou de como a esposa manda na casa, de como ela cerceia a liberdade do marido, etc. Homens e mulheres são uns bichos bobos, cada um do seu jeito. Não estou reclamando. Mas eu, como Rocket Man, não tenho problemas em dizer que I miss my wife.
À medida que envelheço, percebo cada vez mais a importância da vida compartilhada e do valor da intimidade. A vida fica mais difícil com o tempo, complexa, traiçoeira, pesada. E eu sinto que a maturidade — uma das principais ferramentas de suporte à vida que evolui — não é o bastante para segurar a onda. É difícil alcançar algum equilíbrio sozinho.
Entretanto, a solidão é ensinada. Não necessariamente de forma deliberada, mas pela valorização da carreira, pelas reivindicações identitárias, pelo seu direito de ser quem você é acima de tudo (sem se importar com o que os outros pensam). Mas, para estar em um relacionamento saudável, é preciso se preocupar com o que o outro pensa. É preciso buscar formas de mantê-lo seguro, em um ambiente agradável, mas também enriquecedor, cheio de oportunidades, descobertas, significado.
Crescer é preencher a vida de significados. E se apropriar deles. Se os significados forem positivos, a vida é positiva. E o resto a gente resolve. Nem sempre temos sorte de ter a facilidade em identificar significados positivos. A tendência, na verdade, é nos indignarmos com tudo que há de errado. Com todos os significados negativos. E eles têm um poder impressionante. Nesse sentido, a nossa luta é por construir, porque a destruição (ou desconstrução) é natural. Minha vida se enche de significado à medida que vivo. E eu vou ganhando algo que é meu, mas acima de tudo, sou eu. E me fortaleço. E consigo enxergar o mundo com mais tolerância e paz. Que são elementos de que ele sempre precisará. A gente nasce separado, incompleto. E vai juntando as pecinhas. Tão lindas as pecinhas.
A vida faz parte de um compromisso misterioso que firmamos com seja lá quem para chegar seja lá onde. E ela vai nos cativando e se apropriando de nós. Quando percebemos, estamos cheios de conexões, envolvidos num emaranhado complexo demais de informações e sentimentos.
Don’t Bother the Earth Spirit
JOY HARJODon’t bother the earth spirit who lives here. She is working on a story. It is the oldest story in the world and it is delicate, changing. If she sees you watching she will invite you in for coffee, give you warm bread, and you will be obligated to stay and listen. But this is no ordinary story. You will have to endure earthquakes, lightning, the deaths of all those you love, the most blinding beauty. It’s a story so compelling you may never want to leave; this is how she traps you. See that stone finger over there? That is the only one who ever escaped.
Viver dói. E no rumo evolutivo que tomamos, a realidade deve ser cada vez mais indolor, mais asséptica. O que é bom por um lado, mas não integralmente. Esse é outro costume que desenvolvemos com o tempo: a simplificação. Nada é "tudo de bom". Ninguém é só vítima. Ninguém é só algoz. E nem toda dor é só ruim.
A dor da saudade da minha esposa, por exemplo, é um sinal de que tenho uma conexão linda com ela, mas também um compromisso. Quer dizer que eu abri mão de uma parte da minha liberdade e autonomia para construir algo em conjunto. Uma fortaleza para segurar a onda, que não é fácil. Deixei de ser um pouco de mim para ser muito mais de nós. Então, longe dela, sou ainda responsável pela nossa conexão e me sinto incompleto. Acabo me tornando, então, responsável por essa dor que sinto, e da qual não abrirei mão. É uma dor que nutro por tabela, enquanto nutro nossa conexão.
E quando volto pra casa e dou um longo abraço em Clarissa, percebo que era essa a dor que eu merecia, a dor que justifica a minha alegria.
Eu publiquei este texto no Medium em 25/03/2018.